quarta-feira, 27 de junho de 2012

Três amores


Está tudo assim. Sem sentido.
Mas será bom quando você voltar.
Será bom viver quando você voltar.
O calor do seu corpo. O brilho dos seus olhos.
Conto os dias para finalmente vê-la regressar.
Suas vestes em cores... ocultando segredos...
Que somente meus olhos são dignos de apreciar.
Os dias são anos e os anos são séculos.
Mas a espera faz valer a dor da angústia.
Por que tudo será verdadeiro quando você chegar.

Está tudo tão árido. Desde que em minha casa você habitou.
Suas unhas afiadas. O gosto amargo do seu beijo.
Sinto o peso insuportável do vazio desapego.
Desde o dia em que em minh'alma você adentrou.
Sua túnica acinzentada... ocultando sonhos...
Que um dia meu ser em vão acalentou.
E agora as horas são anos e os dias são séculos.
E não há esperanças. Não há brilho. Não há nada.
Desde que da minha existência você se apossou.

Está tudo tão plácido. E será tão mais solene quando você chegar.
Será realmente pleno ... o término desta desventura.
O toque gélido de seus dedos. Seu olhar distante e impassível.
Seu manto negro ... revelando-me a certeza cristalina...
De que nunca houve nada além de ilusão em meus olhos.
E assim os minutos são nada e nada são também os milênios.
Mas a paciência trará recompensa. 
Quando o toque frio do afiado fio eu sentir.
E para o descanso eterno finalmente você me conduzir.

Ben O'Buddy
Lira dos 30 anos.

sábado, 26 de novembro de 2011

Vislumbre


Capitaneio esse navio fantasma desde sempre.
O nevoeiro é denso demais para que possa discernir algo além do fato de que estou só.
Só agora me apercebo.
As velas estão rotas e ensebadas e os porões estão repletos do vazio e do cheiro de mofo.
Há ainda o odor fétido de minha própria respiração.
Sinto as cáries me roerem lentamente os dentes e o juízo.
Mas nunca bastantemente fortes para devorarem completamente meu ser.
Apenas o suficiente para me lembrar que sou o degredado cujo sangue é composto de água, fel e ódio.
Revolta que não pássa!
Chaga que não cura!
Sei que nada acontecerá de diferente
Que a erosão de minha carne e ossos.
Até que o último grão de pó seja dissipado pelo vento seco e quente
No chão de uma terra árida que é o mundo em escala real.
E será esse o fim?

Não. Haverá ainda outras formas de penar que vão além da concepção da torpe mente humana?
E não será o sofrimento justamente o fogo santo que lava a alma da podridão dos pecados, crimes, sacrilégios, ... do viver enfim?
Quão tamanha será essa dívida?
Quão longo rastro sujo terá deixado meu caminhar entre as dimensões etéreas que me trouxeram até o ponto onde ora me encontro?
Então assim estarei em paz quando minha alma estiver lavada no meu próprio sangue.
Sussura em meus ouvidos o sopro puro e insuportável do cordeiro iluminado divino e profético
Que diz:
"Sofrerás até o tempo que não tem fim. Tua ilusão de escolha é na verdade uma premissa cega
De seguir por infinitos caminhos, todos desviados.
Pois a teia que se emaranha ao teu redor é nada mais que uma fração
Que a cada passo indeciso no que pensas ser o caminho da verdade
Se reconstrói em enganos que nunca o levarão um milímetro além de onde te encontras.
Como em um jogo, te colocas em xeque recorrentemente,
Sabendo que teu oponente, ao lado oposto do tabuleiro, não possui rei
E cujas peças foram todas subvertidas na fêmea real.
Estás em uma espiral infinita.
O caos de que te queixas é forjado pelo teu próprio pensar."
Assim, seguindo em meio aos meus iguais
Parasitas a se alimentarem do sangue desse animal raquítico e leproso

Que é a vida. O mundo. O tempo-espaço: agora.
Ergo meus olhos quase cegos aos céus e peço ao Terrível que me lance seu gavião de fogo.
Ou que por misericórdia, me envie:
O anjo negro,
O anjo alvo,
E a dama de beleza ebúrnea tenebrosa.
Cujo desprezo absoluto por mim,
Será, enfim, minha salvação.

Ben O'Buddy
Lira dos 30 anos.


domingo, 2 de outubro de 2011

Couve-flor e canela

Era um dia cor de couve-flor ...

O nêgo chegou na repartição sei lá do que ...

Queria sei lá o que ...

A mulher de óculos veio atender ... era meio mal-amada.

- Os documentos, por favor ... falou nasalmente.

O nêgo botou o bilau p’ra fora sem entender muito bem p’ra quê ... também tinha um pouco de vergonha ...

Foi detido.

De noite ...

a mulher de óculos foi visitar o nêgo ...

Ela deu p’ra ele ...

E a noite seguiu tranquila ... como nunca antes.

Noite cor de canela.

Ben O'Buddy.

Old time tales.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Tudo que você precisava...

Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...

Sempre fui causticamente profissional, para o seu próprio bem.
Tentei inocular seu momento mais sensível e sofrido.
Mas você não aguentou e fugiu.
Eu só queria fazer você ficar bem.

Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...

Desejei que você fosse um grande homem.
Isso seria maravilhoso para mim e para você.
Mas você persistiu em olhar para o grande vazio dentro de si mesmo.
Eu só queria fazer você ficar bem.

Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...

Quiz que você me arrebatasse.
Esperei que você explodisse em seus impulsos.
Mas você acreditou demais em seus próprios escrúpulos.
Eu só queria fazer você ficar bem.

Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...

Tentei mostrar a você que você se bastava.
Que seria mais forte quanto maior o seu orgulho e sua indiferença.
Mas você preferiu a fraqueza do seu romantismo.
Eu só queria fazer você ficar bem.

Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...

Procurei proteger você do mundo externo.
Tirando suas asas imaginei que você estaria mais seguro com os pés no chão.
Mas você preferiu se jogar mesmo assim no abismo de incertezas que é a sua alma.
Eu só queria fazer você ficar bem.

Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...

Dei a você meus melhores momentos.
Mostrei a você a aventura delirante que é viver.
Mas você fincou os pés de sua loucura como raizes profundas demais.
Eu só queria fazer você ficar bem.

Agora vejo que nunca vacilei muito com você...

Vendo você mergulhado na piscina do seu próprio sangue...
Por um momento eu pensei que tivesse errado com você.
Mas vejo seu semblante sereno. Seu sorriso lindo...
Estou certa de que deixei você muito bem.

Ben O'Buddy
Lira dos 30 anos.

domingo, 25 de setembro de 2011

Pequenos reforços da mamãe



- Mas que droga é envelhecer...

As crianças não são mais como antes,

Eu ouço todas as mães dizerem isso
Mãe precisa de alguma coisa pra deixá-la 'lite'
E mesmo não estando doente
Tem umas pilulazinhas amarelas...
Ela corre até o
armário
Do 'reforço da mamãe'...
E uma a ajuda a ir em frente.
Enfrentando seu dia tenso.

As coisas não são mais como antes,
Eu ouço todas as mães dizerem isso
Cozinhar coisas saudáveis,... dá um trabalho.
Pega uma lasanha de caixa
E frita uns nuggets congelados

Vai no armário
Do 'reforço da mamãe'...
E toma duas pra ajudar a ir em frente.
Muita coisa para fazer...

- Por favor doutor, está difícil...
Fora do consultório...
Ela toma mais quatro.

- Mas que saco é envelhecer.

Meu marido não é mais o mesmo,
Eu ouço todas mães repetirem,
Quer te ver linda como há 3o anos atrás.
Chega cansado e estressado. Ela não sabe como agradá-lo.
Vai correndo pro armário.
Do 'reforço da mamãe' ...
E mais quatro devem dar.
P'ra dormir feliz e tranquila.

- Por favor doutor, estou tão cansada ...
Fora do consultório...
Ela toma mais quatro.


- Ai que merda é envelhecer...

A vida anda muito dura.

Ouço todas as mães reclamarem.
A busca pela felicidade é tão frustrante.
Se você tomar mais disso, vai sofrer uma overdose
Vai resignada ao armário...
Do 'reforço da mamãe'.
Ajudaram à mamãe finalmente a descansar.

(*)
"
Que difícil é essa vida...

As coisas são como sempre foram
Mãe se liga no que eu digo.
Tudo isso é ilusão. Deixa rolar...
Senta aqui perto de mim.
Tô jogando GTA.
Tem biscoito recheado no armário e também tem
guaraná.
Outro dia o pai falou...
Que o mundo só faz sentido quando ele te vê sorrindo.
"




















Mother's little helpers
Rolling Stones - 1966
Tradução livre - Ben O'Buddy

(*) Excerto por Ben O'Buddy (09/2011)

domingo, 18 de setembro de 2011

Eu estarei sempre contigo

Oh criança linda.
Quanto mal te pude fazer.
Na ânsia sacra e vã do mundo te proteger.

Eu quis te ensinar sobre a vida.
Mas de nada eu nada sei.
Sou só uma criança ignorante e crescida.

Quis te manter quente e tranquilo.
Evitar que o mal que nos ronda te alcançasse.
Mas terminei por te isolar em um castelo de marfim.

Quis entender teu caminho.
Ajudar a carregar a pesada cruz contigo.
Não percebi que você tinha que carregá-la sozinho.

Eu tentei te fazer maior que eu pude.
Mas no dilema de tê-lo perto e vê-lo longe
Eu me perdi, fraquejei e sucumbi.

E no jardim das tristezas, comi da flor de pétalas amarelas
E dormi um sono do qual não se acorda
Mas de longe ainda te cuido com a mesma atenção de sempre

Porque eu estarei sempre contigo.
Essa é minha essência e meu fardo
Que cumprirei feliz até o final dos tempos.

Ben O'Buddy.
Lira dos 30 anos.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Quando se está sozinho a noite

Quando se está sozinho a noite.
Os olhos abertos.
O escuro ocupando todo o espaço.
Você não consegue distinguir os espectros.
Você sabe que está vivo mesmo sem ter ânimo para se mover.

Quando se está sozinho a noite.
E o silêncio oprime.
Você pode ouvir sons distantes e indistinguiveis.
Você sente uma estranha sensação de poder.
O poder de estar acordado quando todos estão dormindo.

Quando se está sozinho a noite.
Você pode tentar fingir que está sonhando.
Que nada é real.
Mas você sabe que está acordado.
Sabe que não tem saída. E que logo a aurora inexorável chegará.

Quando se está sozinho a noite.
É como se você estivesse em uma cruzada.
Mas você não sabe a missão.
Você não é covarde. Mas está confuso.
E é surreal. Porque é quando tudo faz mais sentido.

Quando se está sozinho a noite.
Você realmente se sente livre.
Você está em paz.
Mas logo o dia vai raiar. E você dormirá enquanto todos acordam.
Porque você quer estar morto quando todos querem viver mais e mais.

Ben O'Buddy
Lira dos 30 anos.