Era sexta feira e já passava das seis e quinze. E para os olhos atentos de Zé Felipe era hora de sair.
- Arnaldo, - gritou o Zé - v’ambora ... Que já são seis e blau ... vai fazer hora extra ?
Arnaldo estava na outra sala do laboratório - na verdade um pequeno viveiro de animais pouco comuns - Em todos os cantos se viam tanques com os seres mais variados dentro.
- Zé ,... você já alimentou as baratas da Ásia?
- Porra, é mesmo ... esqueci. - E, dizendo isso arrastou para perto um caixote repleto de caixas menores. - Deixa ver ,... puta merda ... barata é sacanagem.
- Pronto... parece que ‘tá tudo em cima . Escuta, onde você vai hoje ?
- Ih nêgo, ... hoje tem um pagodão na freguesia que é uma beleza ... - Zé já terminara suas funções e agora tirava agora o jaleco branco.
- Pô cara, ... eu tinha te falado ... daquelas meninas qu’eu conheço. Você disse que não queria ...
- Não é isso não. Não estou com cabeça ... O Pacheco ‘tá na minha cola ... você sabe o cara é o meu orientador.
- ‘Inda bem que eu não tenho nada com essas pesquisas doidas com esses bichos malucos. P’ra mim é só trabalho e pronto.
Zé abriu um armário onde pendurou o jaleco e se olhou num pequeno espelho pendurado num prego. Ajeitou o cabelo, liso e escorrido. Da sala ao lado escutou Arnaldo gritar ...
- Zé ... Zé ... que merda é essa aqui?
- Ah ... esqueci de te falar deixaram isso aí ... foi o pessoal do instituto. Sacanas.
- Droga tem que fazer a ficha ...
- É mer’mão ... o entendido aqui é você ... No bom sentido é claro... É contigo “mermo”.
- Ah, vai a merda. Fazer ficha de planária a essa hora ... Que merda.
Zé voltou para pegar a bolsa e aproveitou para ir ao banheiro urinar.
Quando ia saindo, ainda parou para brincar com Arnaldo...
- Leva a planária para o pagode meu chapa... - mas se assustou ao ver que o colega estava debruçado por sobre o pequeno tanque.
- Que é que houve, Arnaldo ... tu “tá” com uma cara ...
- É que eu ouvi um barulho esquisito ...
- Cê tá é louco ... não tem ninguém aqui além da gente ... e esses bichinhos não são de bater papo.
- Eu ouvi porra ... eu ouvi - Arnaldo exaltou-se. - E veio desse tanque ... Eu ouvi alguma coisa . Tem uma planária.
Zé riu e continuou caminhando até a porta ...
- Aí ouviu ...? Perguntou o Arnaldo quase que como apelando para a boa vontade do amigo.
E Zé Felipe disse, já fechando a porta :
- Essa é a voz da tua cabeça falando: “mulher” ... “mulher”. Teu mal é falta. - E saiu rindo .
Arnaldo continuou olhando fixamente para o tanque. Nem ouviu o último comentário do Zé Felipe.
Na segunda-feira, quando Zé Felipe chegou para trabalhar viu a porta aberta e pessoas esquisitas ... mas reconheceu o Dr. Pacheco que veio em sua direção ...
- Oi, Zé. Olha só p’ra isso ... quebraram tudo ... tudo estragado ... tudo - Pacheco estava visivelmente transtornado.
- Doutor Pacheco ... eu sinceramente ... não tô entendendo ... quem ia fazer uma coisa dessas ? Quem ?
- Eu não sei ... só sei que todas as pesquisas estão ... – Puta que merda - ... estão paradas e que ... o próprio reitor já veio me encher o saco.
- Olha, na sexta-feira ... quando eu saí ... só ficou o Arnaldo. E os seguranças?
- Calma, ... Zé ... eu sei que vocês não tem porra nenhuma que ver com isso. E o pior é que os seguranças dizem não ter visto nada. - Pacheco acendeu um cigarro. Estava bastante chateado. - Quanto ao Arnaldo ... eu não sei ... já liguei p’ra casa dele ... ele não apareceu desde sexta-feira. Sumiu. O Arnaldo é um garoto de ouro. Eu cobro dele porque sei do potencial do cara. É muito estranho... a mãe não fala com ele desde a sexta-feira.
Zé pousou sua bolsa no chão foi andando devagar pelo laboratório ... Estavam ali também pessoas da segurança ... estudantes e outros estagiários do setor ... todos perplexos.
Zé não conseguia parar de pensar no que teria acontecido com seu amigo Arnaldo depois que ele saiu do laboratório. Olhava p’ra aquela bagunça a seu redor ... que estranho!
Escutou Pacheco conversando com outras pessoas, mas sua atenção mesmo estava voltada para um certo ponto ... o tanque ... não estava quebrado como os outros. Zé chegou mais perto e viu que havia duas planárias no tanque ... o mesmo tanque que vira Arnaldo fichando pela última vez.
Zé Felipe sentiu uma mistura de medo e horror - que jamais experimentara antes - foi chegando p’ra trás e quando encontrou uma parede se deixou deslizar até o chão ... colocou a mão no rosto e emudeceu.
Zé Felipe voltou para o interior da Bahia para trabalhar com um tio ... Ele nunca mais falou uma palavra sequer.
Dizem também que o laboratório foi desativado.
Nunca ninguém disse mais nada sobre o Arnaldo ... ou sobre as planárias.
Bad Time Tales
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