sábado, 26 de novembro de 2011
Vislumbre
Capitaneio esse navio fantasma desde sempre.
O nevoeiro é denso demais para que possa discernir algo além do fato de que estou só.
Só agora me apercebo.
As velas estão rotas e ensebadas e os porões estão repletos do vazio e do cheiro de mofo.
Há ainda o odor fétido de minha própria respiração.
Sinto as cáries me roerem lentamente os dentes e o juízo.
Mas nunca bastantemente fortes para devorarem completamente meu ser.
Apenas o suficiente para me lembrar que sou o degredado cujo sangue é composto de água, fel e ódio.
Revolta que não pássa!
Chaga que não cura!
Sei que nada acontecerá de diferente
Que a erosão de minha carne e ossos.
Até que o último grão de pó seja dissipado pelo vento seco e quente
No chão de uma terra árida que é o mundo em escala real.
E será esse o fim?
Não. Haverá ainda outras formas de penar que vão além da concepção da torpe mente humana?
E não será o sofrimento justamente o fogo santo que lava a alma da podridão dos pecados, crimes, sacrilégios, ... do viver enfim?
Quão tamanha será essa dívida?
Quão longo rastro sujo terá deixado meu caminhar entre as dimensões etéreas que me trouxeram até o ponto onde ora me encontro?
Então assim estarei em paz quando minha alma estiver lavada no meu próprio sangue.
Sussura em meus ouvidos o sopro puro e insuportável do cordeiro iluminado divino e profético
Que diz:
"Sofrerás até o tempo que não tem fim. Tua ilusão de escolha é na verdade uma premissa cega
De seguir por infinitos caminhos, todos desviados.
Pois a teia que se emaranha ao teu redor é nada mais que uma fração
Que a cada passo indeciso no que pensas ser o caminho da verdade
Se reconstrói em enganos que nunca o levarão um milímetro além de onde te encontras.
Como em um jogo, te colocas em xeque recorrentemente,
Sabendo que teu oponente, ao lado oposto do tabuleiro, não possui rei
E cujas peças foram todas subvertidas na fêmea real.
Estás em uma espiral infinita.
O caos de que te queixas é forjado pelo teu próprio pensar."
Assim, seguindo em meio aos meus iguais
Parasitas a se alimentarem do sangue desse animal raquítico e leproso
Que é a vida. O mundo. O tempo-espaço: agora.
Ergo meus olhos quase cegos aos céus e peço ao Terrível que me lance seu gavião de fogo.
Ou que por misericórdia, me envie:
O anjo negro,
O anjo alvo,
E a dama de beleza ebúrnea tenebrosa.
Cujo desprezo absoluto por mim,
Será, enfim, minha salvação.
domingo, 2 de outubro de 2011
Couve-flor e canela
Era um dia cor de couve-flor ...
O nêgo chegou na repartição sei lá do que ...
Queria sei lá o que ...
A mulher de óculos veio atender ... era meio mal-amada.
- Os documentos, por favor ... falou nasalmente.
O nêgo botou o bilau p’ra fora sem entender muito bem p’ra quê ... também tinha um pouco de vergonha ...
Foi detido.
De noite ...
a mulher de óculos foi visitar o nêgo ...
Ela deu p’ra ele ...
E a noite seguiu tranquila ... como nunca antes.
Noite cor de canela.
Ben O'Buddy.
Old time tales.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Tudo que você precisava...
Sempre fui causticamente profissional, para o seu próprio bem.
Tentei inocular seu momento mais sensível e sofrido.
Mas você não aguentou e fugiu.
Eu só queria fazer você ficar bem.
Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...
Desejei que você fosse um grande homem.
Isso seria maravilhoso para mim e para você.
Mas você persistiu em olhar para o grande vazio dentro de si mesmo.
Eu só queria fazer você ficar bem.
Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...
Quiz que você me arrebatasse.
Esperei que você explodisse em seus impulsos.
Mas você acreditou demais em seus próprios escrúpulos.
Eu só queria fazer você ficar bem.
Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...
Tentei mostrar a você que você se bastava.
Que seria mais forte quanto maior o seu orgulho e sua indiferença.
Mas você preferiu a fraqueza do seu romantismo.
Eu só queria fazer você ficar bem.
Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...
Procurei proteger você do mundo externo.
Tirando suas asas imaginei que você estaria mais seguro com os pés no chão.
Mas você preferiu se jogar mesmo assim no abismo de incertezas que é a sua alma.
Eu só queria fazer você ficar bem.
Eu nunca fui uma garota que vacilasse muito...
Dei a você meus melhores momentos.
Mostrei a você a aventura delirante que é viver.
Mas você fincou os pés de sua loucura como raizes profundas demais.
Eu só queria fazer você ficar bem.
Agora vejo que nunca vacilei muito com você...
Vendo você mergulhado na piscina do seu próprio sangue...
Por um momento eu pensei que tivesse errado com você.
Mas vejo seu semblante sereno. Seu sorriso lindo...
Estou certa de que deixei você muito bem.
Lira dos 30 anos.
domingo, 25 de setembro de 2011
Pequenos reforços da mamãe
- Mas que droga é envelhecer...
As crianças não são mais como antes,
Eu ouço todas as mães dizerem isso
Mãe precisa de alguma coisa pra deixá-la 'lite'
E mesmo não estando doente
Tem umas pilulazinhas amarelas...
Ela corre até o armário
Do 'reforço da mamãe'...
E uma a ajuda a ir em frente.
Enfrentando seu dia tenso.
As coisas não são mais como antes,
Eu ouço todas as mães dizerem isso
Cozinhar coisas saudáveis,... dá um trabalho.
Pega uma lasanha de caixa
E frita uns nuggets congelados
Vai no armário
Do 'reforço da mamãe'...
E toma duas pra ajudar a ir em frente.
Muita coisa para fazer...
- Por favor doutor, está difícil...
Fora do consultório...
Ela toma mais quatro.
- Mas que saco é envelhecer.
Meu marido não é mais o mesmo,
Eu ouço todas mães repetirem,
Quer te ver linda como há 3o anos atrás.
Chega cansado e estressado. Ela não sabe como agradá-lo.
Vai correndo pro armário.
Do 'reforço da mamãe' ...
E mais quatro devem dar.
P'ra dormir feliz e tranquila.
- Por favor doutor, estou tão cansada ...
Fora do consultório...
Ela toma mais quatro.
- Ai que merda é envelhecer...
A vida anda muito dura.
Ouço todas as mães reclamarem.
A busca pela felicidade é tão frustrante.
Se você tomar mais disso, vai sofrer uma overdose
Vai resignada ao armário...
Do 'reforço da mamãe'.
Ajudaram à mamãe finalmente a descansar.
(*)
"
Que difícil é essa vida...
As coisas são como sempre foram
Mãe se liga no que eu digo.
Tudo isso é ilusão. Deixa rolar...
Senta aqui perto de mim.
Tô jogando GTA.
Tem biscoito recheado no armário e também tem guaraná.
Outro dia o pai falou...
Que o mundo só faz sentido quando ele te vê sorrindo.
"
Mother's little helpers Rolling Stones - 1966
Tradução livre - Ben O'Buddy
(*) Excerto por Ben O'Buddy (09/2011)
domingo, 18 de setembro de 2011
Eu estarei sempre contigo
Quanto mal te pude fazer.
Na ânsia sacra e vã do mundo te proteger.
Eu quis te ensinar sobre a vida.
Mas de nada eu nada sei.
Sou só uma criança ignorante e crescida.
Quis te manter quente e tranquilo.
Evitar que o mal que nos ronda te alcançasse.
Mas terminei por te isolar em um castelo de marfim.
Quis entender teu caminho.
Ajudar a carregar a pesada cruz contigo.
Não percebi que você tinha que carregá-la sozinho.
Eu tentei te fazer maior que eu pude.
Mas no dilema de tê-lo perto e vê-lo longe
Eu me perdi, fraquejei e sucumbi.
E no jardim das tristezas, comi da flor de pétalas amarelas
E dormi um sono do qual não se acorda
Mas de longe ainda te cuido com a mesma atenção de sempre
Porque eu estarei sempre contigo.
Essa é minha essência e meu fardo
Que cumprirei feliz até o final dos tempos.
Lira dos 30 anos.
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Quando se está sozinho a noite.
Os olhos abertos.
O escuro ocupando todo o espaço.
Você não consegue distinguir os espectros.
Você sabe que está vivo mesmo sem ter ânimo para se mover.
Quando se está sozinho a noite.
E o silêncio oprime.
Você pode ouvir sons distantes e indistinguiveis.
Você sente uma estranha sensação de poder.
O poder de estar acordado quando todos estão dormindo.
Quando se está sozinho a noite.
Você pode tentar fingir que está sonhando.
Que nada é real.
Mas você sabe que está acordado.
Sabe que não tem saída. E que logo a aurora inexorável chegará.
Quando se está sozinho a noite.
É como se você estivesse em uma cruzada.
Mas você não sabe a missão.
Você não é covarde. Mas está confuso.
E é surreal. Porque é quando tudo faz mais sentido.
Quando se está sozinho a noite.
Você realmente se sente livre.
Você está em paz.
Mas logo o dia vai raiar. E você dormirá enquanto todos acordam.
Porque você quer estar morto quando todos querem viver mais e mais.
domingo, 21 de agosto de 2011
Uma vez estava a caminhar
Por um triste caminho de Outono
Quando um brilho desacostumado
Às minhas retinas, avistei.
Tomei para mim o objeto
Fonte de brilho intenso
Por impulso, Por ilusão.
Sem que das implicações quisesse me dar conta.
Essa ação, hoje penso
Não é de minha natural conduta
E tão pouco condiz em algo
Com minhas integridades de ofício
Mas tal era o brilho raro
Aos meus olhos já descrentes
Que desafiei votos auto-impostos
E deixei-me, em consciencia, envolver.
Tratei do objeto com zelo.
Talvez mais zelo do que fosse preciso.
Ou mesmo, que o objeto merecesse.
Chegando a imaginar, de forma pouco saudável, que de minha posse ele sempre seria.
Tão inebriado estava
De possuir tão raro objeto
Que não pude ver quão estranho se me apresentava o óbvio:
Ele não refletia minha imagem!
Da tentativa vã de mantê-lo
Sempre dentro de meus domínios
Acabei por perdê-lo logo
Como a água que das mãos se esvai gentil e inexorável.
Logo o objeto estava
Em posse de outro dono
Que talvez por saber-se, ele sim, o verdadeiro senhor do objeto
Sem esforço ou preocupação, tinha-o sempre ao lado.
E agora quando caminho
Por tristes trilhas de Inverno
Pego-me a pensar nestas coisas
E me pondo a perguntar:
Por que motivo um zircônio
brilhou em meus olhos como se diamante fosse?
Terá, por um segundo sequer,
Sido meu aquele objeto?
sexta-feira, 15 de abril de 2011
O Lamento de Deirdre dos Pesares
Sentindo os ventos gélidos tocarem minha alma.
E um Sol vermelho que esquenta timidamente os arredores.
Lembro-me de quando o vi.
De minha humilde casa.
Vindo pelos campos verdes.
Que ora não mais existem.
Porém agora...
Resta apenas seu nome.
Gravado em uma pedra eterna e sem vida.
Ainda posso ouvir
Suas canções de amor...
Como se você estivesse aqui.
Eu as ouço cada vez mais distantes.
São como as últimas folhas do Outono
Que caem sem vida.
No solo infértil do meu ser.
Assim como as águas das fontes
Encontram seu destino no mar.
Meu pesar desemboca em memórias
De um amor que não pôde seguir.
Em você encontrei meu lar.
Como campos verdes ...
Que agora não existem mais.
Meu legado é o seu nome
Gravado em uma pedra eterna e sem vida.
Como folhas secas de Outono.
A despencar no solo infértil do meu ser.
Sei que envelheço lentamente.
Como as estrelas efêmeras nos céus ...
Perdem seus brilhos silenciosamente.
Minhas lágrimas rolam pesarosas
Como folhas mortas de Outono que caem
Como a luz do dia encontra a escuridão da noite.
Como a vida caminha inexoravelmente para a morte.
"... porque a beleza também é uma maldição ..."
Deirdre of Sorrows
Traditional Irish Tales
Baseado livremente na obra de Michael Danna e Jef Danna e na Lenda Celta de Deirdre
Ben O'Buddy
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
A graça acabou.
A graça acabou...
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Delírios
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Todos os lindos cavalinhos
Hush-bye, não chore.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Fractais
Um dia, cansado do trabalho, Josef resolveu dar uma volta pelos jardim que se localizavam próximo ao seu local de trabalho. Após ficar sentado por um certo tempo em banquinho sem olhar para nenhum lugar específico, Josef se encantou com uma planta que até então não tinha notado. Seu cheiro, cor, texturas ..., tudo enfim era perfeito e ver aquela planta, poder tocá-la e sentir seu aroma encheu o coração de Josef de deleite e paz. Intrigado e encantado com o poder daquela pequena planta, Josef fez um esboço dela em papel depois comprou celofane e tinta. Comprou também uma essência que continha o mesmo aroma da planta. Durante horas fez um trabalho árduo de reproduzir artificialmente a planta. Terminado o trabalho, contudo, para sua decepção, o resultado não foi o esperado. Aquela peça criada por Josef não lhe trouxe a sensação que outrora experimentara.
A namorada de Josef, Helene, o informou que ele devia comprar uma muda ou semente da planta e plantá-la e assim teria de fato uma planta do mesmo tipo. Helene amava muito Josef e sempre dava conselhos a ele para vê-lo feliz. Embora nos últimos dias estivesse um pouco chateada, pois a fixação de Josef na tal plantinha o tinha feito esquecer-se um pouco de sua amada. Josef fez o arranjo, e embora agora tivesse um exemplar bem mais próximo do original, ainda assim o resultado não foi como o esperado. Ele tinha agora uma cópia da planta em seu escritório, mas ainda não conseguia reproduzir o sentimento experimentado da primeira vez que vira aquele tipo de planta no jardim.
Um dia Josef estava saindo do trabalho e rumando para a casa de Helene por quem sentia forte saudade, e passou pelo jardim onde pela primeira vez tinha visto a plantinha. Josef se apercebeu disso e aproximou-se da plantinha a fim de sentir de novo a deliciosa sensação que tinha sentido na primeira vez. Mas ao invés disso, mesmo sentindo o mesmo aroma, a mesma textura e observando a mesma belíssima combinação de nuances de cores das folhas da plantinha, Josef não sentiu nada. Ele se deteve ali por alguns minutos, mas logo tirou o relógio de bolso e observou que já estava atrasado para encontrar-se com a bela Helene. Josef pôs-se a caminhar bem rápido pensando em como precisava urgentemente ter sua amada em seus braços.